sexta-feira, 27 de março de 2009

Comentário sobre a Mostra de resultado no site da Curitiba Interativa



Ayrton Baptista Junior

21.03.2009


Viver como estrangeiro é se equilibrar sem rede de proteção, comunicam os sete atores de A-Corda, o novo embarque da Cia. Do Abração. A condição de forasteiro, entretanto, é descrita como fascínio, e não incômodo, nesta bela conciliação entre voz e movimento corporal (teatro-dança, para os íntimos) que merece sair do Jardim Social, bairro-sede do grupo curitibano, e viajar mundo afora.


Com fortes batidas de pé no chão, o elenco cria um trem imaginário que traz o hindu, o latino, a escandinava, o sertanejo, o africano. Ao desembarcar, os imigrantes se instalam nas várias cordas que habitam o palco-galpão, caminhando em todas as direções (vertical, horizontal), e percorrem, através da precisa iluminação, cores de todos os climas: a névoa, a palidez amarela, o vermelho de sol intenso.


Costuram os movimentos falas que ressaltam a inquietude e a incerteza destes viajantes que não têm saudades de casa. Aliás, há quem não tenha casa: “Meu lar é o meu sapato”, avisa o paraguaio que, alerta o brasileiro, canta mal o samba de Martinho da Vila. O texto se repete na boca de quase todos, deixando claro uma visão comum entre os inquietantes viajantes ricos e pobres, primeiro e terceiro-mundistas, de 
ambições regionais e cosmopolitas, que se encontram no Abração.


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O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade