quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

“todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade na busca da qualidade”.
Moacir Gadotti


Durante o processo que começou antes de ser “oficial”, A-Corda pretendia ser realizada com os “sobreviventes” gerou uma grande expectativa com vinda do Wal Mayans, diretor teatral que trabalhou mais de 20 anos com Eugênio Barba, e que voltou para sua cidade natal , para construir a sua forma de trabalho, um trabalho latino-americano da Primigenia teatral, quebrando com europeização da arte. Diziam que durante um processo, que é muito pesado, ele não expulsa ninguém, os atores se expulsam, ou seja, a expectativa e a tensão por este diretor eram grandes. Antes do processo começar na pratica, alguns atores já saíram, por vários motivos, ideológicos, éticos, familiares, pessoais, entre outros.
Os atores que ficaram continuaram a trabalhar o corpo, mas agora com outro intuito que era criar muita força, para agüentar com apenas uma mão seu próprio corpo pendurado na corda.
Acordar mais cedo que o habitual, realizar um trabalho com muita disciplina de muito esforço físico e psicológico. Psicológico, por ter de aprender a lidar com as dores diárias, por ser um trabalho individual mesmo sendo coletivo, cuidar para que sua mente não vá para outros lugares que não sejam aquele, aprender a lidar com o constante desequilíbrio corporal, tanto em cima de uma corda, como fora dela.
Como diz GROTOWSKI, “como o material do ator é o próprio corpo, esse deve ser treinado para obedecer, para ser flexível, para responder passivamente aos impulsos psíquicos, como se não existisse no momento da criação - não oferecendo resistência alguma. A espontaneidade e a disciplina são os aspectos básicos do trabalho do ator, e exigem uma chave metódica”
Foram criadas partituras corporais individuais e coletivas, as primeiras eram compilações de exercícios realizados, com algumas características e incrementações pessoais. Com a primeira idéia de trenning pessoal e coletivo, para nós ou para mim, eram apenas partituras, mas para o Wal eram danças corporais (Primigênia), que o diretor une tudo que foi criado e monta uma dramaturgia, monta um espetáculo. Com as cenas já estruturadas, textos, musicas e seqüências, a Letícia juntamente com o Wal, foram trabalhando os detalhes, limpando cada movimento, cada entrada e saída, dos atores, dos textos, das musicas (que eram realizadas pelos próprios atores, em cena). A maioria das cenas criadas eram realizadas no chão, com o tempo e com segurança que adquirimos nas cordas transferimos algumas cenas para as cordas horizontais e verticais.
Desde o começo do processo, foi pedido para fazermos relatórios, semanais ou diários:

25/07/08
Hoje sinto o cansaço desses dias de trabalho, minhas pernas estão mais duras, mas ao mesmo tempo mais frágeis.
Fizemos a “criação” dos personagens. Troquei o chapéu que usava por uma tela que esconde meu rosto, na mala só levei o espelho... Fui questionada por que mudei, não soube explicar, apenas disse que estava experimentando. Eu gostei me sinto melhor assim, o interior ficou bem mais forte, mas parece que não gostaram muito.
Tenho que buscar mais a precisão.


Este foi o único diário de trabalho que fiz, depois deste dia nunca mais escrevi. Esta personagem crescia a cada dia, uns dias mais, outros nem tanto. Voltei a usar o chapéu, mas não abandonei a tela, apenas usei as duas idéias já montadas. Surgiu à idéia de cada personagem ser de uma nacionalidade, o meu era árabe, traduzi textos, explorei alguns elementos, como as tatuagens corporais das mulheres.
Posso de uma forma bem superficial dizer que minha personagem se tornou uma mulher altiva com o corpo tatuado, o rosto vendando, e um espelho na mão em busca do primeiro passo.
“Depois do primeiro passo, passo para um novo primeiro passo. Passo, passo. O primeiro passo, a briga constante para não perder o equilíbrio, o passo, o compasso...”
( trecho do espetáculo A-Corda)

Pontos importantes a serem destacados, como as oficinas realizadas antes e durante o processo: oficina Espaço, Corpo e Som realizada pela Eliane Campelli foi fundamental. O espaço que utilizamos para a apresentação não era muito grande e dentro dele estavam 7 atores e varias cordas espalhadas, a percepção e sensibilidade com espaço eram muito importantes. Noção rítmica musical também trabalhada por ela, como pelo Alysson Siqueira, que nos ajudou também a construir instrumentos de corda. Destaco também a oficina de Beto Ascânio, que nos deu uma preparação física de fortalecimento e consciência corporal, para que quando recebêssemos o Wal, não sofrêssemos tanto. Tecido acrobático com o Maicon Clenk que serviu como preparação para subir na corda. Juca do Campo Base, com nos treinou fisicamente para subir na corda bamba, e criar mais condicionamento físico.
Alem das oficinas gostaria de destacar os grupos de estudos que foram fundamentais para abranger nosso trabalho, as entrevistas com os seres estrangeires que vivem ao nosso lado – nossos visinhos. E o intercambio cultural com o grupo do Wal Mayans, que foi super importante para sentir na pele como é ser estrangeiro.
Gostaria de detalhar cada momento vivido durante este um ano de processo, que seria melhor construir um livro, como não temos este espaço ainda, fico por aqui. Mas acredito que tudo que vivemos, nos fez amadurecer muito como artistas e como grupo, e que este processo esta apenas no começo.

“Pensar o projeto artístico pedagógico neste sentido é pensar o grupo em constante renovação de técnicas e conhecimentos de seus projetos com seu público. Nesta perspectiva, precisa-se ter a utopia como meta e, sendo profissionais do teatro, refletir e transformar a realidade da localidade de trabalho, é dar abertura ao desenvolvimento cultural, da busca incansável da revolução pelo teatro”
Eder Sumariva Rodrigues

2 comentários:

Simão Cunha disse...

Vale salientar que esse texto foi escrito por Moira Albuquerque com uma breve citação (no final) de Eder Sumariva Rodrigues...

Anônimo disse...

Oi... fico muito feliz que meu texto tenho passado as barreiras da escrita.

Eder Sumariva

Abs

O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade