sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

COMO ÀS VEZES É DIFÍCIL RECORDAR...

A-CORDA, o Estrangeiro... O primeiro contato com o ser estrangeiro que eu tive no processo da corda (pode parecer piada, mas não é), foi com a entrada do Blas nos treinamento da manhã ainda no começo do ano. Desde novembro de 2007 o Beto Ascaneo fazia o treinamento para fortalecimento e resistência corporal utilizando a técnica de Pilates. Além das técnicas, passava improvisações corporais. A nossa diretora Letícia Guimarães, sempre que via os improvisos, notava que havia nos atores um vício corporal, uma bengala, um “mesmo” vindo de outros trabalhos. “E como quebrar esses vícios???”. Essa foi uma pergunta que eu me fazia muito durante esse período. Hoje tenho a audácia de tentar dar uma primeira resposta para esse questionamento: 1º - A manipulação de energia. Velho conhecido da Cia. do Abração através da Letícia. 2º - Teatro Primigênio – lançado para a Cia. do Abração por Wal Mayans. E esses “vícios” não eram somente de forma individual, mas em grupo também. Executávamos as improvisações com excessivo cuidado com o outro, havia o contato físico, mas de forma somente plástica, os corpos sempre no plano médio e alto, quase sempre linhas. E o Blas quebrou essas formas. Já nas primeiras improvisações o Blas não demonstrava nenhum tipo de receio em utilizar o corpo do próximo como alavanca ou base. No geral o que observei, foi que com o Blas aprendemos rapidinho a trabalhar no plano baixo, utilizar o apoio das mãos, a torcer o corpo para manter-se em equilíbrio, estado de atenção constante, o que a principio foi o estranho, o estrangeiro, com o passar do tempo começou a ser nossa nação. (Mas “longe de mim” querer apontar definitivamente um caminho para esses processos). E não foi só neste momento que o Blas representou dentro da Cia. “a criança que grita em meio a multidão que o Rei está nu”, “o alfaiate que ousou observar Lady Godiva nua”... Talvez por isso o Blas tenha sido um dos meus materiais de estudo, de admiração e de aprendizagem, apesar de ter a premissa que as resposta estão dentro da gente, não posso negar que através do Blas consegui enxergar um pedacinho desse meu “eu primigênio”, dessa minha alma perdida dentro desse vazio contemporâneo.
Em fevereiro de 2008 também tivemos aulas de tecido acrobático como um pré corda propriamente dita, com Maicon Klein. Acho que o grupo começou a perceber que “a corda era muito mais em baixo”. Junto a essas oficinas mantivemos o trabalho da Eliane Campelli de “espaço, corpo e som”, que mais para o final desse primeiro processo intensificou a questão do corpo, utilizando bastante a Ioga, (que já não me parece tão “leve” assim), e intensificou a questão da musicalidade. Também já no final do processo a Campelli fez um trabalho, pode se dizer, de “consciência corporal quando o corpo esta no limite” (rsrsrsrs) Posições para o corpo relaxar, o certo e errado para amenizar dores, além de ajudar também no processo coreográfico da obra, não necessariamente criando, mas colocando mais qualidade de movimento nas coreografias, (alguém ai lembra do tai chi?). 

Também no começo desse ano se juntou a Cia. do Abração, substituindo Karla Izidro, o oficineiro de música Alysson Siqueira, que de seu trabalho o que mais forte ficou para o processo A-Corda foi a oficina de construção de instrumentos musicais de corda, que durante um tempo foram abandonados, e nosso Tirésias Blas Torres colocou novamente na nossa obra. Também no final do processo, e paralelamente a Campelli, o Alysson também foi nosso alicerce na parte musical (quem ai lembra da musica guarani?). Outro oficineiro desse processo foi o “Kamikase” Juca, que literalmente injetou um gás na gente. O Juca foi nosso oficineiro de corda bamba, nosso assessor na questão de segurança, basicamente nosso instrutor aéreo, (quem ai não lembra do primeiro passo no slak, que ai não “re-corda” do Juca, do Blas e do Helio se arriscando e acrobacias?).

Sobre o processo A-Corda foi isso que eu “re-cordei” até o momento de forma mais “técnica”, de forma sistemática falta ainda 3 “temas” – Wal Mayans, Letícia Guimarães e o processo de criação do personagem. Fica aqui a minha dificuldade em falar sobre o que vivi nos processos de criação de forma mais concreta e “cientifica”, fazendo um paralelo ao meu texto do processo de “Estórias Brincantes de Muitos Paizinhos”, que assim como a maioria dos meus textos “ é um depoimento pessoal- emocional”, não um escrito para um estudo de Teatro de Grupo.

3 comentários:

Ritalix disse...

Carolina, gostaria que vc falasse de sua personagem, de que tempo ela é?

Tive um vislumbre, embora raso:
baseado em um romance das prostitutas judias, que vieram p/ o Brasil no início do séculoXX, a chamadas escravas brancas.
SArah Waisser, romena judia. Vivia em uma aldeia pobre do Leste Europeu, ainda pertencente ao império czarista, perto de estourar a segunda guerra mundial, esse continente na estrema miséria, então muitas moças foram enganadas, e mandadas a terras estrangeira, principalmente as judias que tinha que fugir mesmo, e por aí vai......
Se ficar interessada em saber mais sobre Sarah Waisser, me fale se ela tem alguo a ver com seu personagem. Eu acho que ela tem muita coisa a contar, ou melhor seu diário..., mas isso é uma outra história.

toços por vc,por vcs pela Corda que adorei o espetáculo e sei que cada vez vai ficar melhor.

bjus

CAROLINA MASCARENHAS disse...

Ela é atemporal.
Durante o processo até achei que ela fosse uma prostituta, mas com o tempo a própria personagem foi se moldando uma guerreira, ou melhor, uma guerrilheira.
Inclusive estou (ainda) pesquisando sobre essas mulheres. Como Olga Prestes, Joana D´Arc, Soledad Viedma, já passei por Anne Frank, Anita Garibaldi...
Mas independente de qual atitude social que a personagem tenha, gostaria sim de saber mais sobre Sarah Waisser. Afinal, não somente armadas as mulheres são guerreiras...

Ritalix disse...

Legal Carolina, gostei da idéia de guerilheira, temos muitas heroinas por aí, em todas as áreas,mulheres muito alé de seu tempo, Chiquinha Gonzaga por exemplo, também desafiou muito na sua época e por aí vai...
Sara Waisser, também de certa forma um lutadora, pois teve coragen de denunciar, dentro de uma comunidade semita, que pra época era muito fechada e e velada, escondendo essa realidade tão cruel e viviam certasmulheres fugitivas da guerra de uma Europa destruida. Te mando um e-mail falando um pouco sobre a realidade de Sarah.
Boa sorte com sua Guerrilheira,
Merda p/ vc nos espetáculos.
bjus

O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade