terça-feira, 21 de outubro de 2008

PADRÕES

Mais texto...

Me sinto amarrada na corda errada...
Me sinto quase sempre deslocada, e quase sempre ocupando mais espaço que o normal...
Me sinto cada vez mais estrangeira... Sou uma estrangeira em qualquer lugar...
E cada vez mais ajo como uma estrangeira...
Cada vez mais quero ser anjo...
E cada vez mais sou mesquinha e covarde como todo ser humano...
O Deus que morava dentro de mim é uma grande mentira...
Como todo os outros deuses, ele me abandonou...
E agora eu estou aqui, presa a uma corda, com um nó que eu mesma dei e não sei mais desatar...
Ajo sempre como culpada, mesmo ser ter feito nada...
Ajo como culpada, mesmo sem saber o que é realmente é culpa.
E agora será que a corda que me amarra, será a mesma que vai dar asas ao anjo da morte, e me libertar de todo esse nó que engasga minha alma?

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O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade