segunda-feira, 14 de abril de 2008

Sobre a cegueira e o saber

Acabo de ler A cegueira e o saber do Afonso Romano. Leitura das mais prazerosas, daquelas que a gente começa e quando tem que parar, afinal a vida nos impõe cada vez mais afazeres, só pensa em voltar. Diversificados assuntos e questões foram levantados ajudando a traçar um panorama sobre o fazer artístico de ontem e de hoje, sobre o artista de ontem e de hoje. Uma questão muito chamou minha atenção e de todos do nosso grupo de estudos, questão que já a algum tempo temos pensado, sobre a desconstrução da arte contemporânea. Em suas crônicas o autor chama nossa atenção para a violência, a fragmentação, para ruptura e a negação , para a moda do artista marginal que se estabelece no mercado de arte, para a falta de mestres ou de jovens que se colocam a disposição do mestre, para a questão do imediatismo. Quem nós chancela artistas?
Termino esta leitura angustiada diante de minha própria fragmentação, parece que hoje, não podemos mais tranquilamente ler um livro, absorvendo com calma cada uma de suas palavras, é preciso antes, fazer isso ou aquilo, com pactuando deste jogo do fazer tudo e não fazer nada, próprio de nosso tempo.

2 comentários:

Simão Cunha disse...

É, os nossos tempos andam muito corridos, parece-me que as informações extrapolam nossa capacidade de apreender. No grupo de estudos do dia 18 de abril nos questionamos sobre nossa memória,de uma hora pra outra esquecemos nossas discussões. Fico um pouco atordoado ...

H E L I O D E A Q U I N O disse...

Por a memória mental a prova é realmente algo ousado atualmente.
"Quem decorou o ponto?", lembro de minha professora da terceira série falando antes da prova oral. Eu decorava tudo e me saía muito bem, mas pergunte se lembrava de alguma coisa no mês seguinte.
Mas, ao contrário, lembro ainda hoje de algumas aulas de arte, de educação física, de algumas feiras de ciências, vivências matemáticas. Por que será?
Se de uma hora pra outra quando questionados esquecemos nossas discussões, será que as esquecemos na hora de produzir e criar algo, e será que depois disso as esqueceremos algum dia? Eu naõ esqueço do processo do Banho, do Estórias... E acredito que não esquecerei dos "Paizinhos" e da "Corda", principalmente depois de Romanno, Paranismo, Biocentrismo, que os tornarão tão diferentes dos primeiros.
Quando vou dar aulas lembro "Da cura do real pela ficção", quando vou criar uma performance lembro "Do sem fim do fim da arte", e é claro que não lembro de todos os capítulos e de todas as discussões, mais sei que elas estão lá no meu trabalho, na minha vida. Sei disso sem precisar de um "10 na prova" pra "chancelar" que sei.

O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade