sábado, 5 de abril de 2008

Outsiders

Quando se é um estrangeiro olhando para dentro uma cidade desconhecida, não há como evitar o lado bucólico que as novidades e os locais inusitados proporcionam, afinal, tudo é novo, faz-se uma descoberta a cada esquina que se dobra.
Pode ser cedo para abordar o assunto, posso estar sendo muito específico neste início de processo ou ainda recorrendo em fuga do tema, que ao meu ver é muito amplo e ainda está cru, mas não há como fugir dele, pois sempre percebi que ele é recorrente, não só na cidade onde vivo, mas em todos lugares por que passei.
Trata-se do olhar estrangeiro dos autóctones, aqueles que estão sempre lá e não se ambientam em seu próprio sitio. São tratados como forasteiros pela cidade, seja pela sua condição social, filosofia de vida ou simplesmente por serem alvo de algum tipo de discriminação. Participam ativamente da sociedade realizando serviços básicos e mal remunerados, vivendo com orçamentos apertados, sem direito aos serviços mínimos que Estado deveria lhes proporcionar.
A maioria mora em locais com pouca segurança e mínima infra-estrutura. Sujeitam-se a humilhações diárias e mesmo assim, quando paramos e prestamos atenção, notamos que são pessoas felizes, humildes e, acima de tudo, conscientes.
São estrangeiros dentro de sua própria cidade.

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O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade