sábado, 28 de fevereiro de 2009

UM PAÍS DE OLHOS FECHADOS - uma visão de quem não vê

Nesta história há uma viagem. Viagem minha. Viagem sem nome, sem destino. Viagem a qual não vejo. Ainda que não, me volto às primeiras lembranças, aos primeiros encontros. É minha vida, pés e mãos são meus olhos. O olhar estrangeiro dos companheiros de viagem sobre tudo, sobre todos, me levam do chão ao desequilíbrio do caminho.
Eu de olhos fechados, sombras do tempo cobriram o caminho, sinto um país que meu olhar na sombra procura e chama, que meus pés sem chão, passo a passo, percorrem. Neste sem chão, vivo com o alma amarrada às doces recordações que não voltam, canto de medo do instante que vem enfrentar minha vida, anseio pelas noites cheias de premonições que encadeiam meus sonhos. Neste desequilíbrio, nós viajantes que fugimos, cedo ou tarde deteremos nosso andar, amarrados, dependurados. E ainda que o possível esquecimento tudo destrua, adormeça o velho sonho da terra possível, guardamos escondida uma esperança humilde que é toda a sorte de nosso coração.

Pelo eu, subo novamente pelos nós desta viagem e tento chegar ao topo, no fim não vejo nada. Não temo a queda, temo o impacto, desço e subo. Aqui, nesta corda bamba, a cada fim volto ao início. E luzes que piscam em minha noite eterna sem estrelas, sem signos, indicam outros caminhos. É preciso partir.

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O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade