quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Avaliando

Nesta trajetória dentro da cia. do abração busco um lar, um aconchego, um reconhecimento no trabalho árduo de um grupo que se reinventa a cada dia, que junto, enfrenta um leão a cada dia! Parafraseando o Helio: te mete!!!! Por essa companhia que sou eu mesma e tudo em mim, desembaraço os meus preconceitos, amplio o meu espaço, enfrento o mundo, me enfrento, me modifico, luto, me canso, morro e renasço e sigo em frente porque é nesta luta que me torno plena.

A-Corda é mais um passo em direção ao fortalecimento de um grupo em prol de um ideal, e trabalhar na construção de um ideal, dói, machuca, aperta e afrouxa, adoece e cura, alivia e tranqüiliza e, de novo, o caos de onde geralmente brota a essência. Essência que é a matéria prima preciosa que buscamos incessantemente no abração.
Sinto-me profundamente agradecida a tudo e a todos que possibilitaram a minha vivencia diária na carne, neste processo artístico, em especial a Letícia e ao Blas, mas também ao Wal – mestre que tão generosamente pode compartilhar um pouco dos seus segredos!

A-Corda é mais um processo de criação coletiva onde muitos artistas puderam experimentar por um longo período, dando o tempo necessário para que todas as idéias pudessem ser vivenciadas, incorporados, embelezadas, sem a pressão que normalmente ronda os projetos culturais em nosso país. Isso tudo nos deu coragem pra lidar com o risco, tema filosófico e tão real que percorreu toda a nossa pesquisa, das unhas aos dentes! Há alguns anos estamos nos preparando pra realizar uma empreitada desta, que exigiu disciplina, força física e intelectual, amadurecimento, afeto, paciência, respeito e muito jogo de cintura, aliás, só com muito jogo de cintura pra se equilibrar numa corda bamba.

A-Corda propôs a cada um que acompanhou este processo o risco premente, inerente e constante, quando algo estava começando a ficar seguro e estável, a direção tratava de sacudir pra gente novamente recomeçar e enfrentar o risco. Em algumas vezes nós mesmos nos provocávamos a correr mais risco. Um exemplo crasso é a cego inventado pelo Hélio pra correr ainda mais risco ou o Blas com sua insistência em usar apenas os instrumentos por nós fabricados.

A-Corda nos proporcionou o treinamento de várias técnicas artísticas e esportivas, o convívio direto com muitas pessoas, suas idéias e reflexões, ampliando nosso potencial expressivo; o treinamento no experimento, o treinamento da autonomia, a prática de um ritual de sacralização do nosso espaço, do nosso fazer artístico que buscamos, eu e Letícia, desde o começo da cia. do abracão. Nada se faz em um dia ou em um ano! Foram precisos oito anos pra que a gente começasse a enxergar nas pessoas, que hoje conformam o nosso grupo, um pouco de tudo isto.

Termino esta primeira etapa da Corda com a sensação boa da missão amorosamente cumprida e, repito, muito agradecida aos meus amigos, amores e dores de arte pela perseverança compartilhada. E o que é melhor, o projeto subsidiado acabou e nós continuamos nosso sagrado trabalho diário com a esperança renovada de que A-Corda possa se reinventar por longos anos, quem sabe décadas! Vida longa à corda e ao grupo de pesquisas cênicas da Cia. do abração.

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O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade