terça-feira, 19 de agosto de 2008

ÉTICA, ESTÉTICA E ALTERIDADE


“Eu é um outro” como afirma Rimbaud em carta a Izambart, poderia ser a epígrafe ética de Foucault em “O uso dos prazeres” (1990): “Separar-se de si mesmo”. Ambas as proposições são manifestos contra aquilo que nas ciências humanas aponta para a procura das identidades e sua legitimação. Contra ela, contra toda identidade, ergue-se a vontade potência, mudar os modos, inventar a si mesmo. Tornar-se sujeito e criador dos seus próprios modos de subjetivação. Devir-outro, animal, mulher, menos homem, “A vergonha de ser homem”, como dirá Deleuze, em Crítica e Clínica. Produzir uma diferença dos modos de individualidades que aí estão, vendidos como o mesmo para todos. Resistir. Não há nisso, nesse modo de se auto-criar uma ética e uma estética? Uma escolha e um gosto. E não estaria também envolvido nisso uma política? Tornar-se outro, habitar a alteridade.


Aconteceu no dia 08 de agosto na sede da cia do Abração a Palestra Ética, estética e alteridade com Francisco Gaspar Neto*, aberta ao público interessado, a palestra propôs um passeio por conceitos que articulam na vida contemporânea uma ética e uma estética na criação de si mesmo e no encontro com outro.
Reflexões de extrema importância ao trabalho de pesquisa da linguagem teatral A_Corda onde o público interessado pôde usufruir e compartilhar da construção do pensamento de uma obra.


*Ministrante: Francisco de Assis Gaspar Neto - Graduado em Artes Cênicas, pela Universidade do Rio de Janeiro, Mestre e Especialista em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense. Tradutor do “Jogos para atores e não-atores”, de Augusto Boal e do “Ensaio sobre o gênero dramático sério”, de Beaumarchais. Professor de técnicas de Happening, que conjugam técnicas de improvisação com orientações de autores como Bertolt Brecht, Peter Brook, Augusto Boal e Carmelo Bene. Professor da Faculdade de Artes do Paraná.

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O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade