quarta-feira, 21 de maio de 2008

Relembrando a Trilha

Um Pouquinho de Memória

Antes de divagar sobre o brumoso mundo da criação sem fim e sem lucros, quero confidenciar que hoje, acordei com a necessidade de fazer um reconto da nossa experiência, até aqui, ainda no inicio desta caminhada. Uma vontade de partilhar o que já fizemos, talvez, apenas uma deslavada desculpa para rever e relembrar os caminhos, e des-cobrir as impressões calcadas por nossas pisadas.

Para não perder de vista a trilha continua do nosso trabalho e o vagaroso andar da carroça, na existência como grupo de pesquisa, amarro esta corda fundando o começo de fato dA-corda na etapa de edição da pesquisa do Banho, em novembro de 2007, onde nos aventuramos a refletir sobre o nosso trabalho e lançamos o Re-banho como produto audiovisual, nela debatemos a nossa vivência como grupo buscando reconhecer-se inserido dentro da sociedade contemporânea, refletindo e retratando-a. Para ser franco, não sei, exatamente, se somos incuráveis ingênuos ou loucos petulantes mas estamos aí querendo enten
der o mundo em que vivemos.

E com tamanho desafio o trabalho pela frente se p
erfila amplo e árduo, ainda mais, considerando que somos grupo de pesquisa e elenco ao mesmo tempo, tendo variadas metas e objetivos concomitantes e sempre emergentes, então planejamos as nossas ações de forma a interligar e interagir alimentando-se e fagocitándo-se um no outro. E ressalto, quando falo de variadas é variado mesmo, abrangendo desde a manutenção do espaço, da revisão constante do repertório, a criação de novo espetáculo, a formação constante da equipe toda, a projeção de nossa ação em longo prazo, porque queremos viver disto escolhemos como forma de vida, até a preocupação de partilhar as nossas conquistas, angustias e princípios. Então A-corda cai neste cenário trazendo um conjunto de ações que nos ajuda no processo. Em janeiro, deste ano, continuamos as oficinas já iniciadas no ano anterior, um pouco mais direcionada ao assunto “estrangeiro”, mais ainda focada na qualidade do ator, assim passamos todos os dias da semana dedicados a oficinas, leituras e grupos de estudos específicos.

Compartilhamos da investigação da Eliane Campelli – Espaço Corpo e Som, uma busca a partir da sua experiência com o Teatro, a Dança, o Yôga, e o Maracatu, ampliando a capacidade percepção do nosso mundo palco e o mundo real, experimentando a ação mantendo abertos todos os sentidos em todos os espaços do nosso cotidiano.





Com o Beto Ascânio permea
do por seu conhecimento da Dança Clássica e Contemporânea exploramos as possibilidades estéticas e expressivas do nosso corpo além de melhorar a performance física com técnicas de pilates e criações de células coreográficas.























Já a Patricia Reis nos traz em sua bagagem a Dança e o Aikidô, num tra
balho que demos o nome de Consciência Corporal onde como o nome já diz buscamos conectar-nos a nossa ferramenta principal de trabalho procurando aproveitar todas suas possibilidades aminorando o desgaste e violência desnecessária, para uma qualidade de vida do ator performático.


Mais recentemente, desde mediados de Abril começamos a trabalhar com cordas, e aqui contamos com Flávio Cantéli o “Juca”, da Campo Base – Ginásio de Escalada, mais que um instrutor um atleta que nos empresta sua paixão de aventureiro, vigiando a nossa segurança permitindo-nos o gosto de correr riscos. Começamos andar sobre cordas e balbuciamos os primeiros vôos utlizando cordas segurando o corpo literalmente no braço.

Tivemos também um gostinho do trabalho que iremos intensificar em julho com o Diretor Teatral e Coreógrafo Wal Mayans do “Proyecto Tierra Sin Males” (vale a pena conferir o link, para saber sobre seu trabalho) quem vai colaborar também com oficinas intensivas e vai dirigir o espetáculo final.

Nos grupos de estudos Lemos "A cegueira e o saber" de Affonso Romano de Sant'Anna como referencia para as nossas discussões e por sobre todo para relembrar-mos a nossa missão de artistas nesta época de produções contemporâneas caracterizadas pelo descompromisso, a fugacidade e centrada no excentrismo. Neste momento, pela sugestão do Francisco Neto, mergulhamos na leitura do livro “A verdade e as formas jurídicas” de Michel Foucault, já mergulhados no desafio da construção temática e dramatúrgica do que virá a ser o espetáculo A-corda.

Neste momento de forma intensa estamos andando sobre cordas e experimentando as possibilidades que este elemento nos possibilita, e estamos coletando historias de situações de estrangeirismos, qualquer caso onde os mundos parecem não conversar na mesma língua e pedimos a quem quiser aportar lançar sua história para fazer parte do espetáculo.

Caso tenha esquecido alguns detalhes deixo para os colegas a missão de lembrar e corrigir.

3 comentários:

Simão Cunha disse...

Minha gente, era isso que estava faltando nessa altura do campeonato, uma "re-lembrança" do que andamos pesquisando nesta corda. Como sujeito social, e principalmente como artista, vejo a minha grande necessidade e dificuldade de RE-CORDAR as situações vividas nessa corda cujo o fim é obscuro.
Mas, além de me faltar memória, quero ressaltar a oficina e as práticas desenvolvidas pelo grupo das técnicas do TECIDO ACROBÁTICO. Perceber o quão importante foi para nós essa experiência, como uma base para todo o fortalecimento exigido nas cordas. Hoje, quando estou andando na corda bamba, vejo a gigantesca importância de todas as oficinas até então praticadas pelo grupo. Vejo meus músculos trabalharem juntos, do dedinho do pé à nuca.
Foi um caminho muito bom e doloroso também... continuemos...

Simão Cunha

Fabiana Ferreira disse...

Bacana Blas! sua escrita é sempre bonita, amorosa e reflexiva. Obrigada!
Complementando o seu registro do processo, destaco também o trabalho de musicalização desenvolvido pelo Alysson, a interessante forma como ele tem nos ajudado a desvendar os mistérios da música, contribuindo com o desafio de produzir música ao vivo em nossos espetáculos.

Andressa Christovão disse...

Nossa!
Essa lembrança do nosso caminho até me fez suspirar! Já foi tudo isso?! Mas ainda tem tanto...

O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade