segunda-feira, 24 de novembro de 2008

PROCESSO INTENSO

"A-CORDA", quantas metáforas podem ser entrelaçadas nesse tema. Na pesquisa de linguagem teatral da Cia. do Abração muitas foram as possibilidades de criação. Agora, ao finalizar essa primeira etapa de um projeto duradouro, longo, fica a minha satisfação. Satisfeito de ter cumprido algumas metas desafiadoras pra nós.

No início de nossa pesquisa surgiram várias expectativas e questionamentos de como iríamos trabalhar. Era uma incógnita, eu não sabia ao certo o tamanho da corda que tinha no caminho, e digo que foi uma longa corda com um grau de dificuldade altíssimo. Me emociono quando lembro todas as dificuldades e superações que enfrentamos. Foi uma vitória para um grupo que começa a se fortalecer, foi difícil, mas tudo que é difícil nos faz crescer. Pelo menos é assim que eu penso agora.

Uma verdadeira pesquisa: teatro físico misturado com corda bamba. Muitas dores sofridas ao bater da corda nas pernas, braços, enfim, tudo. Quantas caídas de ficha impregnadas no "eu não consigo". Quantos "ufas" de prazer em conseguir. De longe percebe-se a evolução dos nossos corpos numa técnica basicamente física, músculos que nunca foram trabalhados.

É forte a lembrança do primeiro dia em que trabalhamos com o Wal Mayans, parecia um monstro composto de pura técnica de anos de prática. Um dia de conhecimento de novos meios corporais e retomada de impulsos primigênitos, aqueles que estão de alguma forma em nós, mesmo se não percebemos. E o estrangeiro, onde entra em toda esta história? Poderia até falar que me senti um pouco estrangeiro com meu corpo, por conhecer técnicas de precisão, oposição, e força. Mas acho que ficou mais no intelectual mesmo. Neste mesmo dia de tensão da chegada do Wal, nos foi questionado sobre o ser estrangeiro, e os vários tipos de estrangeirismo. Logo me veio à mente uma idéia que aos poucos foi se solidificando na minha cabeça: a homossexualidade, o estrangeiro de seu próprio corpo.

Com a idéia de trabalhar o estrangeiro do próprio corpo, apareceu-me uma palavra citada por um amigo numa conversa, o "INSTRANGEIRO", exatamente isso, um estrangeiro interno, de si mesmo. Pensando, pensando, estabeleci a imagem de um homem usando um símbolo feminino, uma SAIA. Insisti nesta idéia e durante os dias de criação introduzi o símbolo nos meus treinos. Achei uma saia rodada, apertada na cintura. Tudo foi se modificando durante o processo, ao longo de todos os meses. Descobri, com a ajuda da Letícia, uma mulher muito inteligente, que a essência do meu personagem não estava no fato de ser homossexual, não surgiu nada que remetesse ao tema (relacionamento com outros homens), mas surgiu uma relação muito afetiva com os signos femininos. o personagem transformou-se numa figura máscula que se encanta com a delicadeza dos motivos femininos. Talvez o Instrangeiro seja aquele que se identifica com elementos femininos e procura a sua essência feminina nas linhas das mãos, nos traços mais delicados e desenhados do corpo e na figura do outro, um ser á procura de um alguém, com saudades. Digo "talvez" pois acreditamos que nossa pesquisa ainda tem muita corda pela frente.

Quando falo de uma verdadeira pesquisa é pensando numa pesquisa completa. Na DIREÇÃO a junção de técnicas e idéias diferentes, o método de Wal Mayans, um diretor paraguaio, de teatro dança com uma grande racionalidade, uma euforia e empolgação para movimentos e acrobacias; e a leveza e serenidade de Letícia Guimarães, com a sensibilidade poética maior que a alma. A PREPARAÇÃO DE ATOR, conduzida por Wal, Juca, Letícia e Campelli, além das diferentes experiências dos atores, subindo em cordas, andando nas verticais, interpretando textos das diferentes formas, pensando antropologicamente com o Blás, nos estrangeiros que somos, divididos apenas por um fio.

Na pesquisa MUSICAL, destacamos a fabricação de instrumentos de corda, aperfeiçoamento em técnicas de canto e vocalização com Alysson Siqueira. A percussão descoberta, a percepção de sons em cena, auxiliados pela querida Eliane Campelli. Os estudos estéticos de CENÁRIO E FIGURINO com Cris Conde. Os tipos de corda, texturas, cores, posicionamentos. Perceber que um milímetro diferente faz toda diferença. E escolha de figurinos que facilitam o trabalho físico e que ao mesmo tempo nos remete a uma forma cotidiana com elementos de diferentes culturas utilizando cordas. A ILUMINAÇÃO com Anry Aider, a influência da luz no equilíbrio nas cordas, sombras efeitos.

Enfim, foi uma maravilhosa experiência, vejo que todos cresceram em todos os sentidos, fisicamente, intelectualmente, e na convivência de grupo, que não é fácil. Agradeço a todos que abraçara este projeto conosco, vejo um excelente pontapé a um trabalho mais que valioso.

SIMÃO CUNHA

2 comentários:

Anônimo disse...

que profunda construção não só de personagem mas de si, enquanto ator! Construção de conhecimento...o corpo apanha mas a alma apreende!!!!

É o Wall faz o corpo sucumbir para depois ressurgir...
Parabéns pela pesquisa de vcs!

Simão Cunha disse...

Ai Graci, sem sombra de duvidas foi e é uma experiência pra lá de profunda. São desafios...
Venha nos assisti.. estmaos com o espetáculo no festival de teatro...

abração
Simão Cunha

O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade