sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O primeiro encontro

Mais uma personagem, linda!!!!!!!!!! "gracias" Ao Romano e a Letícia!

Iam se encontrar como se fossem a um campo de tulipas.
Iam se encontrar como um equilibrista em cima de um fio, longe do chão, sem rede.
Iam se encontrar como um navegante, um desbravador, chegando a um continente desconhecido e desejado.
Então, já que iam se encontrar começaram a se preparar como só se preparam as ondas quando à areia vão chegar. Puseram-se a pré-sentir o momento do encontro, intensificando os sinais trocados como o piloto emite sinas de aproximação atento ao radar.
Este não era um encontro qualquer, senão o primeiro. E o primeiro encontro, eu lhes digo, exige arte maior. Por isso sendo adultos pareciam ter dezesseis anos, ou qualquer idade em que o primeiro encontro se dá.
Imaginem um ansioso casal de namorados que a cada ponto da estrada, a cada quilometro que cada um avançasse na direção um do outro, parasse para telefonar, mandar um telegrama ou qualquer tipo de aceno eletrônico ou primitivo, ascenos ou sinais que indicassem veja, avancei tantos metros e quilômetros , estou mais próximo, em breve vou te tocar.
Eles dialogam com o invisível e com o imponderável. Com a alma silvestre, colhem flores inexistentes no asfalto e vêem ternura na rispidez dos edifícios. Não pisam no chão dos demais. Na verdade, caminhavam já noutra direção.
A carga do primeiro encontro, eu lhes digo, ás vezes é insuportável. Só quem tem asas de anjo pode suportá-la.
Aqueles que estão indo para o primeiro encontro tomam tenso e milimétrico cuidado. Continuam colhendo tulipas, estudando a carta de marear e equilibrando-se no abismo. Mas sabem que o primeiro descuido pode desviá-los do que seria a colheita das primícias.
O desejável é que o primeiro encontro fluísse com a naturalidade que só têm aqueles que já se encontraram cem vezes. Mas para se encontrarem cem vezes, eles sabem, é necessário transpor, construir esse primeiro e incontornável encontro.
O poeta dizia que a vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros. O primeiro encontro é tão complexo e interminável, que devemos admitir que ele pode se dar no décimo quinto encontro ou trinta anos depois. Podem, estranhamente os desencontros anteriores terem sido o esboço do autêntico encontro, que quando ocorre é ineludível.
Quando uma pessoa parte para o primeiro encontro em vão vai se indagando: “que presente te dar?”. Todos os presente parecem precários, fugazes, incompletos. Porque é imensurável o que cada um quer receber e o quanto se quer dar".

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O SOBREVIVENTE

por Carolina Mascarenhas


Um pouco de poesia, para o nosso vazio ficar mais cheio de belo.


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade